sexta-feira, 16 de agosto de 2019

“BONDADE DA BOA”

Gustavo Maia Gomes
Muitos anos atrás, o comediante Ary Toledo apresentou-se no programa de TV “Fino da Bossa”, de Elis Regina e Jair Rodrigues. Quase completamente desconhecido até aquele momento, pegou o violão e começou assim:
Eu um dia cansado que estava da fome que eu tinha
Eu não tinha nada, que fome que eu tinha
Que seca danada no meu Ceará
O cara -- refugiado no Rio de Janeiro -- fazia de tudo e não conseguia comer direito. Num dado momento, Toledo declamou: “Tem uma senhora bondosa lá no Leblon que gosta muito de ver eu comer é caco de vidro. Já juntei uns quinhentos mil reis".
E completava: “Isso é que é bondade da boa”.
Elis Regina teve um acesso de riso.
Lembrei-me do episódio depois de ler reações a um pensamento do jornalista João Roberto Guzzo que reproduzi aqui: “Não existe ‘agrotóxico’ nem ‘veneno na comida’. Existem fertilizantes, inseticidas para combater pragas e produtos para melhorar a qualidade da agricultura. São usados no mundo inteiro. No Brasil, são armas da ‘esquerda’ para tentar sabotar o sucesso do capitalismo no campo”.
Houve comentários favoráveis, mas também os houve indignados. Talvez eu possa deduzir dessas últimas reações que os autores delas são favoráveis à agricultura orgânica, com suas cenouras mirradas, alfaces inexpressivos e tomates descoloridos. Por isso, resolvi ler um pouco da literatura científica sobre o assunto. Encontrei o seguinte:
“As estimativas (...) de produtividade orgânica devem retornar aos fundamentos da BNF [Fixação Biológica de Nitrogêneo], [segundo as quais somente] cerca de metade da população mundial atual poderia ser alimentada organicamente”. (David J.Connor. “Organic agriculture and food security: A decade of unreason finally implodes”, Field Crops Research, August 2018.)
Ou seja, se a agricultura dos agrotóxicos e fertilizantes fosse substituída pela orgânica, como querem a esquerda e os amigos do meio ambiente, metade da população mundial morreria de fome.
Isso é que é bondade da boa.

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