sexta-feira, 16 de agosto de 2019

MEMÓRIAS NA ESTANTE

Gustavo Maia Gomes
Dentre os livros da juventude que preservo até hoje, há nove que quero lembrar aqui. São autobiografias ou memórias pessoais. Relaciono-os de acordo com o ano (em alguns casos, estimado) em que os li pela primeira vez.
Cinco estão comigo: “O Retrato” (Osvaldo Peralva, 1963), “Meu Encontro com Marx e Freud” (Erich Fromm, 1963), “Carta a Meu Pai” (Franz Kafka, 1967), “Solo de Clarineta” (Érico Veríssimo, 1979), “Autobiografia Intelectual” (Karl Popper, 1979).
Outros quatro ainda não encontrei, mas devem estar por aí: “Memórias” (Ilya Ehrenburg, c.1965), “As Palavras” (Jean-Paul Sartre, c.1966), “Entre a Água e a Selva” (Albert Schweitzer, c.1967), “Autobiografia” (Bertrand Russell, c.1968).
“O Retrato” narra a desilusão de um jovem militante com a União Soviética. Li-o quando estudava no Colégio Marista do Recife. Devíamos resumir um livro por mês. O de Osvaldo Peralva (recentemente reeditado) esteve entre os melhores.
Já “Meu Encontro com Marx e Freud” eu o descobri fora do colégio. Na época, gostei muito. Fromm era seguidor crítico das ideias freudianas e nutria uma espécie de marxismo homeopático com raízes na Escola de Frankfurt. Combinação ideal, pensava eu. Havia então muita gente ávida por ingerir aquele cozido improvável, feito com pedaços de dois ícones (a rigor, incombináveis) do pensamento ocidental.
A “Carta a Meu Pai” me fez conhecer Kafka e seus problemas psicológicos insolúveis. Sua leitura impactou-me. Felizmente, compreendi que meus conflitos interiores, ao contrário dos do escritor checo, se deviam apenas a eu não ter ainda conseguido uma namorada. Passaram rápido, portanto. A admiração por Kafka, ao contrário, ainda hoje me acompanha.
“Solo de Clarineta”, mais precisamente, seu primeiro volume, me fez amar Érico Veríssimo, que comunica no livro a imagem de um homem simples, despojado de vaidades. O II Volume, relatos de viagens, me pareceu monótono, talvez, porque eu jamais tivesse ido aos lugares descritos por ele.
Num ponto, a autobiografia intelectual de Popper, tem semelhança com o “Solo de Clarineta”: ela também transmite uma imagem despida de afetações do seu autor, o mais importante filósofo da Ciência do século XX. Estudei muito esse assunto, até me mudar para São Paulo (1971), quando tive de focar em leituras mais distintamente econômicas.
Bertrand Russell (“Autobiografia”) foi e continua sendo um de meus ídolos. De Sartre, não gosto, mas, de “As Palavras”, sim. Schweitzer me impressionou menos. As “Memórias” de Ehrenburg li com enorme prazer: o cara conviveu com boa parte dos gênios artísticos e literários de nosso tempo, numa fase da vida em que eles eram todos miseravelmente pobres.

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