sexta-feira, 16 de agosto de 2019

CASAMENTOS NA COZINHA

Gustavo Maia Gomes
“Comes e bebes no Nordeste”, do pernambucano Mario Souto Maior (1920-2001), vai muito além de um dicionário de alimentos legitimamente regionais. Relaciona em ordem alfabética as comidas destas bandas do Brasil, sim, e nisto parece um dicionário, mas também dá muitos outros detalhes e explicações a respeito de cada prato ou copo, qualificando-se, portanto, como uma obra de sociologia.
Até meados do século XX, nas famílias proprietárias de terra, assim como naquelas de classe alta ou média urbana (chefiadas, talvez, por um bacharel em Direito) da sociedade canavieiro-açucareira nordestina, uma moça tinha três modelos de vida adulta dentre os quais escolher, ou ser forçada a seguir: (1) casar-se, (2) virar a tia solteira que acompanhava os pais na velhice e ajudava as irmãs casadas a criar os filhos, e (3) entrar num convento.
Algumas moças, é verdade, decidiam seguir carreiras profissionais – Nise da Silveira (1905-99) e Lily Lages (1907-2003), alagoanas, foram médicas. Mas eram uma ínfima minoria. A opção preferencial era mesmo casar. E, uma vez casadas, manter o casamento. Para tanto, havia receitas culinárias que podiam ajudar, como a do doce Amarra Marido.
“Batem-se as claras de seis ovos até o ponto de suspiro. Juntam-se, então, as gemas, dois pires de batatas doce cozidas e machucadas, um pires raso de farinha de trigo, uma colher de sopa de manteiga, um copo de leite de vaca, uma pitada de canela em pó e açúcar até adoçar. A forma [de ágata, para o doce não ficar preto] deve ser untada com manteiga e levada ao forno regular” (pág. 25 da 2ª edição, 1985).
Explica Souto Maior: “uma mulher que, além das qualidades próprias de seu sexo, soubesse fazer pratos gostosos tinha maiores possibilidades de segurar seu marido” (idem).
Havia também o bolo Engorda Marido, uma receita já antes recolhida por Gilberto Freyre: “Doze ovos batidos como para pão-de-ló, 500 gramas de farinha de trigo, 500 gramas de manteiga, leite de dois cocos espremidos em um pouco de água morna e uma colher de chá de canela em pó. Vai ao forno em forma untada de manteiga” (Souto Maior, pág. 39).
“Há umas três décadas atrás”, acrescenta o autor, “quando a mulher nordestina era exclusivamente de prendas domésticas (...) procurava (...) enfeitar a mesa com pratos diferentes, guloseimas tentadoras, verdadeiros pecados de gula para o marido e os filhos” (idem).
E tome bolos (Iaiá, milho seco, Cabano, de amor, de bacia, à moda de Pernambuco, de batata doce, de caroço de jaca, de castanha de caju, de coco, de coco Sinhá-Dona, de fruta-pão, de macaxeira, de mandioca, de mel de engenho, de milho verde, de milho seco, de nata, de Rolo Pernambucano, de São João, de um ovo só, do Diabo, de massa de mandioca, Manuê, ouro e prata, pão-de-ló, Padre João, paraibano, Pé de Moleque, Pé de Moleque com rapadura, Perna de Moça, Souza Leão, Tia Sinhá, 13 de Maio... (págs. 34-42)
As mulheres não paravam por aí. Depois dos bolos, tratavam de manter filhos e maridos felizes e gordos com os doces: de abacaxi, abacaxi em calda, abacaxi cristalizado, araçá, banana em rodinhas, batata doce, caju, carambola, coco, gergelim, goiaba em lata, goiaba em calda, guabiraba, jaca-dura, jaca-mole, jerimum, laranja da terra, de leite, de leite com ovos, limão, mamão à moda sertaneja, manga, mangaba de Pernambuco, maracujá, sapoti, umbu, japonês, quebra queixos... (págs. 55-62)
Se eu ainda tivesse espaço aqui, diria para vocês de quantos desses bolos e doces já experimentei na vida. Não foram poucos.

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