sexta-feira, 16 de agosto de 2019

POR QUE VIÇOSA FOI ESPECIAL?

Gustavo Maia Gomes
Uma vez, lancei aos meus alunos de História do Pensamento Econômico – deve ter sido em 2007, ou 2008 – o seguinte desafio:
– Por que a Grécia Clássica, na verdade, a civilização helênica, produziu tantos filósofos?
As razões não foram econômicas: se Atenas foi rica, Roma foi mais. Nem geográficas: se havia algo especial naquelas terras de Tales, Pitágoras e Aristóteles, teria deixado de haver, desde então? O mar continuou o mesmo, as costas escarpadas, o calor e o frio, as terras áridas ou férteis... Os filósofos, contudo, desapareceram.
Teriam sido razões culturais? Talvez, mas a hipótese não nos leva muito longe. Apenas troca a pergunta: por que, então, essa cultura especialíssima, incubadora de gênios, desenvolveu-se na Grécia e em seu mundo e somente lá? Não em Roma, no Egito, Japão, China.
Arrisco-me a dizer que a melhor resposta está num fator não-econômico, não-geográfico, não-cultural. Os gregos antigos tinham uma genética única, uma propensão à genialidade inscrita no sangue, nos nervos, nos ossos, nalguma parte do corpo. Só pode ter sido isso. (É claro que se poderia perguntar: por que eles, não os vizinhos? Mas, neste ponto, passo a bola para biólogos, fisiologistas, neuro-cientistas ou quem mais entenda do assunto.)
Ao redigir o capítulo sobre Viçosa (AL) de “Uma Noite em Anhumas”, meu próximo livro, experimentei o choque de descobrir naquela cidade, na primeira metade do século XX, uma quantidade enorme de homens intelectualmente brilhantes. (Muitas mulheres devem ter sido tão ou mais inteligentes do que seus maridos e irmãos, mas deixaram poucos registros públicos disso. Tributo a uma cultura que as oprimia.)
– Por que Viçosa foi especial?
Porque aquela gente tinha um parafuso a mais. Manuel Neném – analfabeto, maior cantador do Nordeste –; os josés Pimentel de Amorim e Maria de Melo, médicos, escritores; os Brandão: Manuel, Alfredo, Aloísio, Théo, folcloristas; Octavio, quase um Lênin brasileiro; Teotônio, senador, Avelar, padre.
Filhos de uma cidade canavieira igual a tantas outras, eles atingiram níveis intelectuais, políticos, religiosos superiores. Alcançaram reconhecimento nacional. Ganharam prêmios em São Paulo, no Rio de Janeiro. Publicaram livros, fundaram museus, academias, venceram eleições, comandaram a redemocratização. Um virou o cardeal primaz do Brasil.
Em Viçosa – como em nenhum outro lugar – a civilização do açúcar descolou-se do engenho, do localismo imbecilizante, para alçar voos impensáveis. Nem Gilberto Freyre acreditaria que isso pudesse acontecer. Ter acontecido.

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