terça-feira, 2 de abril de 2019

A HECATOMBE DA VITÓRIA (1880)

Gustavo Maia Gomes
“A 27 de junho último (1880), na cidade da Vitória, Comarca de Santo Antão, deu-se um fato horroroso. Nunca a história das campanhas eleitorais de Pernambuco se manchou de tanto sangue”, escreveu Félix Cavalcanti, em seu diário comentado por Gilberto Freyre (“O velho Félix e as ‘Memórias de um Cavalcanti’”, Rio de Janeiro, 1959, pág. 58).
Aconteceu o seguinte: “após ter subido ao poder do Império em 1878 [tendo o alagoano João Visconde de Sinimbu, como chefe do Conselho de Ministros], o Partido Liberal [em Pernambuco] dividiu-se em dois grupos. Um, composto dos membros da família Souza Leão, tinha por chefe o bacharel Luís Felipe; o outro era dirigido pelo bacharel Antônio Epaminondas de Mello” (pág. 59).
Esses últimos foram chamados democratas, os primeiros, leões. Seus chefes em Vitória eram, respectivamente, Ambrósio Machado da Cunha Cavalcanti e José Felipe Souza Leão. Na votação para juízes da paz e vereadores, os democratas se uniram aos conservadores e alcançaram a vitória, despertando o ódio dos leões.
Assim, na próxima eleição, estava estabelecido o clima para um confronto armado. Os dois lados arregimentaram forças. “Os chefes governistas [leões], entre os soldados de polícia e os capangas que puderam reunir contavam 300 homens, suficientes [para] resistir a um exército” (pág. 60).
Essas forças ocuparam a igreja do Rosário, onde se realizaria a eleição. “Diziam então os leões mais arrogantes que não haveriam de deixar que os democratas entrassem para votar” (pág. 60). Seus oponentes também arregimentaram um bando armado e foram para a igreja.
Acompanhava as tropas democratas o Barão da Escada, Belmiro da Silveira Lins. Foi o primeiro a morrer fuzilado. Ao final do tiroteio ocorrido na igreja – que não seria o único do dia – um relato da época contou 17 mortos.
Dentre os gravemente feridos, estava Ambrósio Machado. Diante dessas baixas importantes, os homens se dispersaram após, mas foram perseguidos. O Diário da Manhã (Recife), 62 anos depois (28-5-1942) afirmou que, no total, mais de cem pessoas haviam morrido, a maioria do lado democrata.
A crise repercutiu no Recife. Em discurso inflamado, o deputado José Maria de Albuquerque Melo atribuiu toda a culpa pelos incidentes e mortes à família Souza Leão, a quem chamou de “ladrões de estrada”, salteadores” e “passadores de cédulas falsas”.
No mesmo tom falou José Mariano Carneiro da Cunha, veemente abolicionista e democrata. Além disso, “saiu um boletim pregando o extermínio de tudo o que fosse Souza Leão: homem, menino, mulher. Todos deviam desaparecer. Parecia um episódio da Revolução Francesa” (pág. 62).
Foi assim, nos traços essenciais, que se deu a Hecatombe da Vitória, primeira de uma série de muitas ocorridas em Pernambuco entre os anos 1880 e 1922.

(Publicado no Facebook, 3-3-2019)

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