terça-feira, 2 de abril de 2019

MIOLOS À MOSTRA

Gustavo Maia Gomes

Havia oito anos que José Tavares, praça de infantaria do Exército, desposara Silvana Tavares de Melo. Dessa união tinham seis filhos e viviam felizes numa casinha do curato de Santa Cruz: ele com o soldo, ela com os rendimentos de lavar e engomar.
Passou a residir também nesse lugar o praça de polícia Manoel Joaquim de Santana, que um dia foi à casa dos dois, a fim de encarregar Silvana do preparo de sua roupa. Esta, satisfeita pela aquisição de mais um freguês, empregava esforços em servi-lo bem.
Verdade é que no fim de certo tempo amizade notável os ligava. Entregue às suas ocupações, Tavares não percebeu essa tão íntima relação do seu camarada e de sua esposa, e jamais cogitava que ela lhe fosse infiel. O procedimento, porém, da adúltera dia a dia se tornava público e notório, servindo de acendalha para as más línguas.
Foi então que ao espírito de Tavares chegaram as primeiras suspeitas, que logo originaram indisposições e desarmonia no lar. Daí que, há poucos dias, depois de forte discussão com o marido, assim que este retirou-se para seu trabalho, Silvana abandonou a casa, levando consigo os filhos.
De regresso, à tarde, o infeliz encontrou o lar vazio, deserto. Perguntando aqui e ali, veio a saber onde estava Silvana residindo com o amante. Ato contínuo, partiu a seu encalço. Ao chegar na casa, bateu à porta. Apareceu a mulher que, ao ver o marido ultrajado, foi acometida de uma crise nervosa e, entre soluços e lágrimas, pediu-lhe perdão dizendo: – Não me mates, José!
Tavares disse que não a queria matar. Desejava, apenas, ter as crianças de volta. Silvana, a princípio, concordou, mas, depois de aprontar os filhos, recuou em sua decisão, recusando-se a entregá-los. Foi neste momento que apareceu Santana, o policial sedutor.
Os dois homens, a princípio, conversaram amistosamente. Num dado momento, entretanto, abespinhou-se em extremos Santana que, de sabre em punho, atirou-se contra o outro que também de sabre nu, esperou-o. Travou-se, então, uma luta mortal.
Em dado momento, vibrou Tavares o sabre com força e este cravou-se na cabeça de Santana, abrindo-a meio a meio, pondo-lhe os miolos à mostra. A cambalear, o policial ferido encostou-se à parede e novo golpe recebeu em pleno peito. Foi o fim.
No seu depoimento, Tavares não negou o crime e narrou todos os antecedentes do fato, manifestando-se comovido ao falar dos filhinhos. Enquanto isso, os pedaços de seu rival eram reunidos e levados ao Necrotério público.
(Mais uma crônica rodrigueana. Copiada com adaptações do jornal Gutenberg, Maceió, 24-12-1905. A cidade onde se passaram os eventos narrados é o Rio de Janeiro.)

(Publicada no Facebook,  9-3-2019)

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