terça-feira, 2 de abril de 2019

A INTRIGA DE PINGA FOGO

Gustavo Maia Gomes
Na cidade alagoana de Viçosa, terra de meus ancestrais Bahia, nem todo mundo era amigo de todo mundo. Não no século 19, pelo menos. Prova disso é que, em um certo dia, alguém assinando-se Pinga Fogo publicou no jornal Gutenberg, de Maceió, a seguinte nota:
“CONSELHO. Aconselho ao Sr. JB que entregue as chaves do cofre ao Sr. LS, comerciante nesta cidade, pois não é lícito este meio de adquirir fortuna. Este conselho é de teu amigo, pois bem conheço o Sr. LS e ele não se sujeitará ao que se sujeitou a Sra. Lulu, negociante em Pindoba. Viçosa, 20 de agosto de 1896. Pinga Fogo”.
O “Conselho” do Pinga Fogo saiu em várias edições do jornal. Uma semana depois, apareceram duas notas, parcialmente transcritas abaixo:
“REPTO AO PINGA FOGO. Peço ao autor de uma publicação da Viçosa inserta no Gutenberg de ontem que, sob pena de passar por vilão covarde e sofrer a imputação só a si mesmo cabível, queira declarar se entende comigo as iniciais JB em relação ao negócio da chave do cofre. Conforme sua resposta, tomarei a atitude conveniente para salvaguardar minha reputação, para o que já constitui advogado. Maceió, 22 de agosto de 1896. Joaquim Menandro Batista”.
“CHAVES PERDIDAS. Sob a desagradável impressão que a todo homem de bem causa a leitura do conselho do Sr. Pinga Fogo, venho declarar ao público que as chaves de que trata aquela publicação, as quais desde anteontem me foram entregues, não estiveram em poder de pessoa alguma com intenções funestas e é uma prova disso o estado em que elas me vieram às mãos – cobertas de ferrugem, estando uma delas amassada – bem como o lugar em que foram apanhadas, por onde passei no dia de domingo em que caíram do bolso de minha calça que verifiquei estar dilacerado. Não cabem, pois, as alusões do Sr. Pinga Fogo, em cujas faces ficam gravadas as setas da calúnia. Viçosa, 21 de agosto de 1896, Luiz Sá”.
Não quero fazer intriga, ainda menos depois de tanto tempo, mas acho que Luiz Sá teve, mesmo, as chaves do cofre surrupiadas quando visitava Joaquim Menandro. Ao se dar conta disso, procurou este último que, entretanto, não admitiu nada. Foi quando o comerciante resolveu dar pelo jornal um “conselho” a Joaquim, lembrando-lhe que ele – Luiz – não era nenhuma Dona Lulu de Pindoba.
Diante da ameaça velada, Joaquim Menandro Batista pensou duas vezes e se entendeu com Luiz Sá, devolvendo-lhe as chaves. Desta forma, as notas assinadas por cada um dos dois, no Gutenberg de 28 de agosto de 1896, foram apenas uma encenação. Um pingou fogo, dois apagaram o incêndio e a paz voltou à Viçosa alagoana.

(Publicado no Facebook, 6-3-2019)

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