terça-feira, 2 de abril de 2019

CIÚME QUE MATA

Gustavo Maia Gomes

O tenente Bernardo da Câmara Sampaio era médico da Marinha. Nascido em Pernambuco, ali serviu até ser transferido para Maceió, onde estabeleceu clínica oftalmológica, sendo o único médico que no Estado se dedicava a esta especialidade.
Solteiro, arredado da família, Câmara Sampaio incumbira a uma pobre senhora de nome Rita Francina de cuidar de sua roupa. Desse comércio, nasceu o seu conhecimento com uma das filhas dessa senhora, chamada Maria da Conceição.
Tomou-se o médico de violenta paixão por essa criatura, a ponto de fazê-la sua amásia, vivendo com ela maritalmente e sem vislumbre de escândalo. Houve dessas relações uma filha, Maria Eulália, que Câmara Sampaio legitimou.
Um dia, o militar foi mandado de volta para Pernambuco. Maria da Conceição, acompanhou-o, mas ia muito a Alagoas visitar os parentes residiam. No carnaval, viera o médico a Maceió, quando soube que a mulher entretivera palestra com um mascarado em sua casa.
Caráter impetuoso, Câmara Sampaio retornou ao Recife, conduzindo amásia e filha. Em seu espírito, contudo, combalido por uma paixão doentia e ardente, penetrara a dúvida cruel, a dúvida que tortura, a dúvida que arma o braço ao ímpeto insensato, ao ditame de um cérebro que desvaira.
Desde então, a paz deixou de reinar na sua casa, a ponto de ele mandar a mulher e a filha de volta para Maceió. Não se continha, porém, muito tempo longe das prendas de seu coração. Agora mesmo, achava-se aqui, desde domingo.
Anteontem, às 10 horas da noite, a população da cidade se surpreendeu com a notícia de que um médico matara, para os lados do Liceu de Artes e Ofícios, uma pobre mulher, de nome Maria da Conceição. Seu cadáver está no Necrotério Público, para onde foi transportado, numa rede, à meia-noite.
(Recife, 8-3-2019. Adaptado de Gutenberg, 2-11-1905.)

(Publicado no Facebook, 8-3-2019)

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