segunda-feira, 1 de abril de 2019

“Vem agora, bandido!”

Gustavo Maia Gomes
(Adaptado de “A mulher que estrangulou o marido”. Jornal do Brasil, 4/7/1929)

O tenente Franco, sua mulher Dalila 
e o resultado da última briga do casal
(Jornal do Brasil, 4/7/1929)

Dalila falava com desembaraço, em voz baixa, sem gesticular, as mãos que apertaram a garganta do tenente Franco escondidas sob a mesa. Disse ter sido casada durante 18 anos e que fora sempre infeliz. O marido, ébrio incorrigível, ciumento ao extremo, era responsável por seus pesares. 

Franco costumava entrar em casa a desoras, sempre violento. Constantemente, nascia daí uma discussão acalorada e os cônjuges acabavam em luta corporal. Certa vez, o tenente ensopou a colcha da cama e com ela cobriu o rosto da mulher, sufocando-a por uns momentos. Na rua, em público, o marido a insultava, muitas vezes.

Sobre a noite fatídica, a mulher confessou ter apertado a garganta do marido em ato de defesa. Disse que deviam ser oito horas da noite quando Franco, embriagado, chegou da rua. Começou insultando-a à frente do prédio. Depois, espatifou uma cadeira na porta. Dalila achava-se em casa com as filhas Diva, Lourdes e o filho Nelson.

Depois de provocar escândalo em frente à casa, o tenente avançou para a esposa. Travaram os dois uma luta encarniçada. Rolavam pelo chão. Mordiam-se. Esbofeteavam-se. Gemiam. Diziam imprecações. Houve um momento em que se ergueram e miraram-se, em desafio. Tornaram então a se engalfinhar.

Dessa vez, a arena foi o próprio leito conjugal. Diva, aflita e cheia de ódio pelo pai, procurava auxiliar a progenitora, quando ela ficava por baixo. Afinal, Dalila, de cima, conseguiu apertar o pescoço do marido, aplicando nessa operação todas as suas forças. Ele debate-se, agitando os braços e as pernas. Súbito, seus membros caíram sobre o leito. Então, Dalila, recompondo-se, insistiu no desafio:

– Vem agora, bandido! – Franco, deitado no leito, de ventre para cima, tinha as pernas pendentes da cama. Como não se mexia. Dalila aproximou-se. – Vem, se és homem! – Passaram uns momentos. A mulher começou a se impressionar com o estado do marido. Sacudiu-lhe, então, a cabeça. O homem estava morto.

Enquanto Dalila prestava depoimento, seus quatro filhos, na outra sala, riam, como se nada tivesse acontecido. No término, Diva indagou da mãe se ela preferia salame ou queijo no sanduíche. Alguém lhe perguntou se estava arrependida. Ela apenas disse: – Talvez.

Nesse momento, saltaram-lhe as lágrimas dos olhos. Deixou a cabeça cair sobre o peito. Estava soluçando. Suas mãos, então, surgiram pela primeira vez. São como todas as outras, mas, naquele momento, assemelhavam-se a garras de ferro, pavorosos instrumentos do crime.

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