terça-feira, 2 de abril de 2019

LAURENTINO TREME-TERRA

Gustavo Maia Gomes

Ano provável, 1850, pouco mais, pouco menos. O local, Maragogi, belíssima praia, hoje um ponto turístico no Litoral Norte de Alagoas. Ali aparece um homem estranho, que desconhece o próprio nome, ignora de onde veio, não tem ideia de para onde estava indo.
Se tem parentes, ninguém sabe, nem os viu. “Provavelmente seria português” – relata o tetraneto Arnoldo Gomes de Barros, “pois dizia-se jocosamente que ele chegara à praia dentro de uma barrica de bacalhau e bacalhau é coisa de português”.
Cedo, o amnésico evidencia que veio para ficar. O povo de Maragogi inventa-lhe o nome de Laurentino Gomes de Barros. Aos poucos, ele vai se recuperando. Mostra-se tão brabo que ganha a alcunha de Treme-Terra. Laurentino Treme-Terra. Apesar disso, passados alguns meses, ainda sem confessar ou saber quem era ou tinha sido, ou como e porque chegara ali, já vivia uma vida normal.
“Fico pensando que tipo de homem seria meu tetravô e porque escondeu a sua identidade”, reflete o médico Arnoldo Gomes de Barros, que mora e trabalha em Maceió. “Não seria um bandido, pois não há história que desabone a sua conduta. Certamente fugia de alguém, de algo ou de si mesmo”.
De qualquer modo, Laurentino Treme-Terra ganhou aceitação local, tanto que se casou com a filha de um fazendeiro da terra, cujos nomes – o do fazendeiro e o da filha – parece terem sido perdidos na memória familiar. Desse casamento nasceu Carlinda Gomes de Barros, que viria a ser a mulher de Luís Ferreira da Silva Rego. Carlinda e Luís ficaram conhecidos entre seus descendentes como Mãe Nenê e Pai Lulu.
“Mãe Nenê era brava; Pai Lulu, suave. Os filhos do casal receberam o sobrenome Gomes da Silva Rego, com exceção do meu avô que, por se parecer com o avô dele, foi chamado Laurentino Gomes de Barros. Era branco sanguíneo, os olhos de um azul intenso; tinha vasta cabeleira branca, altura mediana e porte esguio”, diz Arnoldo Gomes de Barros.
Prossegue o médico: “Meu avô Laurentino Gomes de Barros [1881-1958] casou-se com Amália Maia Gomes e, juntamente com o sogro, Manoel Gomes dos Santos, e com os cunhados, fundou a Usina Campo Verde [em Branquinha, 1920]".
Por desavenças com os cunhados, Laurentino desligou-se da sociedade [c.1934]. "Morou em Matriz de Camaragibe, estabeleceu-se no Engenho Amapá, em Colônia de Leopoldina. Então, mudou-se para a Fazenda Riachão, na atual Joaquim Gomes, onde fundou a Usina Santa Amália [em 1943]”.
Branquinha, Matriz do Camaragibe, Colônia Leopoldina e Joaquim Gomes, são todas cidades alagoanas da mesma região canavieira ao Norte do Estado. Além de empresário, Laurentino Gomes de Barros foi vereador em Passo do Camaragibe (AL) e prefeito da cidade alagoana de Leopoldina (1936).
Muitos descendentes seus e de Amália Maia Gomes se destacariam na política alagoana, como os filhos Antônio, Mario e Carlos, deputados estaduais e federais, e o neto Manoel (deputado estadual, prefeito de União dos Palmares, 1977-82, e governador, 1997-99). E também nas áreas empresarial (Geraldo), médica (Arnoldo), jornalística (Luís Alípio) e jurídica (Humberto, que chegou a ser presidente do Superior Tribunal de Justiça, em 2008). Todos, com o sobrenome Gomes de Barros.
Se pudesse saber disso tudo em seu tempo de vida, talvez Laurentino Treme-Terra tivesse chegado a Maragogi uns dois anos antes.

(Publicado no Facebook, 
27-2-2019)

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