terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

CORINA E OUTRAS MULHERES DE SEU TEMPO

Gustavo Maia Gomes
Recife, 21-1-2019
Irmã de minha avó materna, Corina Dias Cardoso (1912-82) jamais se casou. Com isso, furtou-se a cumprir o principal roteiro reservado à mulher na antiga sociedade canavieiro-açucareira nordestina, incluindo seus prolongamentos urbanos: chegar virgem ao casamento, ser esposa fiel de marido nem tanto, e parir filhos anualmente.
Em tempos mais remotos, só lhe teriam restado entrar no convento ou ser a tia que ajudava a criar os filhos alheios. Mas, Corina nasceu no Recife, não numa fazenda de cana; em 1912, não cem anos antes. Já havia, então, outros caminhos trilháveis por mulheres solteiras: estudar além das primeiras letras, seguir uma profissão liberal, empregar-se na indústria ou no comércio.
Minha tia-avó, a quem conheci bastante bem, fez um pouco das duas coisas: foi morar com a irmã casada, ajudou na criação dos sobrinhos, seguindo as recomendações tradicionais, mas também estudou na Escola Técnica de Comércio do Recife, aprendeu inglês e francês e ganhou seu dinheiro em empregos duradouros ou ocupações temporárias.
Em 1947, proferiu palestras sobre “Vacances à Fortaleza” para a Associação de Cultura Franco Brasileira. Um ano depois, recitou “A l’Etendard de Jeanne d’Arc”, na mesma instituição. Em 1958, deu aulas de inglês no Sindicato dos Médicos. Em 1964, sentou-se à mesa dirigente secretariando os trabalhos nas assembleias gerais da Coperbo, à época, a principal indústria do Estado. Foi o que consegui saber, pesquisando jornais antigos.
A partir de 1972, o nome de Corina Dias Cardoso aparece na imprensa apenas em comunicados de falecimento de parentes. Lá está ela em 1972, com a morte de Henriqueta, sua irmã; em 1977, com o passamento trágico de Luiz Martins, genro de Helena, sua irmã; em 1979, na comunicação do falecimento de Eduardo Marques, marido de Helena, com quem Corina morou durante muitos anos e, pouco depois, de Raul Dias Cardoso, irmão; finalmente, em 1982, quando ela própria morre.
Faltou a Corina, talvez, audácia para dar passos mais largos nos estudos e na carreira profissional, como o fizeram as alagoanas Lily Lages (1907-2003) e Nise da Silveira (1905-99), médicas, ambas; e também deputada estadual, a primeira; escritora, a segunda. Sem serem minhas parentas, ambas cruzaram caminhos com os Maia Gomes e os Pedrosas. Corina fez o que pôde. Se foi feliz, não sei, mas não sucumbiu inteiramente à sociedade que reservava para as mulheres papeis e posições subalternas.

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