terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

TOMEM O VENENO, MENINAS!

Gustavo Maia Gomes
Recife, 28-1-2019
No Colégio de Órfãs da Jaqueira – um bairro do Recife –, as atividades em 6 de janeiro de 1912 começaram cedo. Como acontecia a cada mês, doses de vermífugo foram dadas às internas. Dois dias depois, 45 meninas tinham morrido por envenenamento.
Constâncio Pontual, médico da Santa Casa de Misericórdia, proprietária do Colégio, explicou, na ocasião: há 25 anos, o remédio Sêmen-Contra era usado ali. Dias antes, ele o encomendara ao Hospital Pedro II que, não dispondo do produto, transferiu o pedido à Farmácia Conceição, de Alfeu Raposo.
Noventa e quatro doses foram ministradas às órfãs. Eram 7 horas da manhã. Houve resistência, pois a substância tinha gosto intolerável. Mas, uma interna mais velha insistiu – como se dissesse “Tomem o veneno, meninas!” – e as demais lhe obedeceram.
Às 9 horas, se sentiram mal. Mais um dia de intenso sofrimento e metade das que haviam tomado o líquido perderiam a vida. Era cólquico, veneno fortíssimo. Deu no jornal: “Vimos algumas crianças mortas. [Elas] botavam sangue pela boca e estavam completamente roxas”.
À Polícia, Alfeu Raposo disse que recebera o pedido do Semen-Contra, mas, como não tinha o medicamento, encaminhara a requisição para a Farmácia dos Pobres, de Gerôncio de Melo. A troca de substâncias e a colocação no pacote do rótulo com a informação errada quanto ao conteúdo aconteceram neste estabelecimento. Foram erros fatais.
No domingo teve início a autópsia das meninas: Elvira Francisca, 8 anos de idade, 1 m e 15 cm de altura; Josefa Maria, 7 anos, 1 m e 15 cm; Luíza Barbosa, 7 anos, 1 m e 14 cm; Maria Rosa do Nascimento, 7 anos, 1 m e 7 cm; Maria Luíza de Mello, 5 anos, 1 m e 10 cm; Josefa Inês Costa, 9 anos, 1 m e 20 cm; Joana da Natividade ... Quatro dezenas mais ainda viriam.
Das meninas mortas, extraíram-se estômago, fígado e rins, colocados em pequenos frascos para exame posterior. Sobre os cadáveres, derramaram-se flores e ramos de pitangueiras. Postos numa carreta, os corpos foram conduzidos ao cemitério de Santo Amaro e sepultados na vala comum do quarteirão Padre Diogo.
O inquérito responsabilizou Alfeu Raposo, Gerôncio de Melo, seu empregado Manoel Francisco de Moura, e um farmacêutico do Hospital Pedro II, mas o juiz aceitou apenas os indiciamentos de Gerôncio e Manoel Francisco. Ambos viriam a ser julgados e absolvidos por unanimidade, vinte meses depois da tragédia.
Como suprema ironia, as autópsias revelaram que poucas daquelas meninas tinham vermes.
(Informações extraídas dos jornais recifenses da época. As fotos do Educandário Casa da Providência, sucessor do Colégio da Jaqueira / Casa dos Expostos -- que podem ser vistas no Facebook -- foram tiradas por mim em 25-1-2019.)

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