terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

RATOS NO ARAME

Gustavo Maia Gomes
Recife, 4/2/2019
Pedro Nava (1903-84) em Baú de Ossos (3a. edição, 1974) conta a seguinte história passada no Rio de Janeiro de sua infância. Era o tempo de Oswaldo Cruz e do combate, no caso, à peste bubônica, cuja transmissão aos humanos passava pelos ratos.
”Rato, rato, rato. Corria de dentro das casas o tropel das mulatas, meninos, patroas, moleques e crioulas com suas ratoeiras e todos despejavam o conteúdo dentro de uma espécie de sorveteira enorme que continha um líquido que dava fumaça sem ferver. (...)
O homem, em vez de receber, pagava. Duzentos reis a ratazana, um tostão por camundongo. Pagava, tampava, punha na cabeça e seguia soltando o pregão que virou música: rato, rato, rato / camundongo, percevejo, carrapato – que ficamos devendo ao empresário da compra que era o Dr. Oswaldo Gonçalves Cruz.
Infelizmente, a providência, em vez de acabar com a bicharia, industrializou sua criação. Havia especialistas que os tinham em viveiros e que só os vendiam adultos e gordos, porque assim eram mais bem cotados.” (Nava, págs. 311-12.) Ratos de criação!
Maravilha de história, que me fez lembrar de outra contada por Nilson Holanda (1936-2015), na época em que trabalhamos ambos em Brasília, ele na Secretaria de Políticas Regionais, eu no Ipea. Isso foi nos anos 1995/98. Tornamo-nos amigos. Sei que muitos de meus possíveis leitores também guardam ótimas lembranças de Nilson Holanda.
Eis a história. Possivelmente, ainda em seu primeiro governo (1930-45), Getúlio Vargas pôs em prática uma política de subsídios ao arame farpado. Algum economista idiota deve tê-lo convencido de que se tratava de uma ideia magnífica, parecida com aquelas que anos à frente assolariam o país na era da mulher sapiens Dilma Rousseff.
Para, simultaneamente, estimular a pecuária e a indústria siderúrgica recém implantada, o governo decretou que o arame farpado seria vendido por 50%, algo assim, do preço do arame comum. O Tesouro Nacional (quem mais?) pagaria diretamente à fábrica a diferença.
Logo, logo, surgiu uma indústria de “desenfarpar“ arame. Os empresários “quase schumpeterianos” compravam o arame farpado por 500 reis o quilo, digamos, retiravam-lhe a farpa e vendiam o produto resultante por 800 reis. Como o arame sem farpas (mas não “desenfarpado”) custava 1.000 reis o quilo, pois não tinha subsídios, a nova indústria foi um sucesso. (E o Tesouro pagou o pato.)
Se não tivessem sido tão diferentes os tempos de uma e outra histórias, tenho certeza de que muitos ratos de Pedro Nava e Oswaldo Cruz teriam sido engaiolados nos arames de Nilson Holanda e Getúlio Vargas.
-- Rato, rato, rato.
-- Arame, arame, arame.

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