sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

FÁBULA DA IGUALDADE

Gustavo Maia Gomes
Recife, 17-2-2019
Zeraldo Cifu era o homem mais vegano, mais anti-homofóbico, mais defensor dos direitos humanos e animalescos, dos líderes populares, dos pobres, das cotas raciais, sociais, emocionais, mais adepto da ideologia de gêneros que se podia imaginar.
Um dia, ele escreveu um livro. Mas não o quis publicar sem antes ter a aprovação dos amigos, todos progressistas, espiritistas, ambientalistas e esquerdistas. Tirou seis cópias em papel, mesmo sabendo que aquilo seria criticado, e as fez circular.
“Veja se há alguma afirmação racista”, pedia a um leitor; “grife tudo o que for homofóbico”, exigia de outro; “o que parecer de direita, escrache”, de um terceiro...
Passado um tempo, recebeu o “aprovadíssimo” de todos os amigos. Menos um. Darcy Zumbi, exibiu o cenho franzido. Ele lera romances em que personagens mantinham o cenho franzido. Na vida real, nunca vira ninguém assim, nem mesmo sabia o que significava, mas, naquele momento, pareceu-lhe de bom tom franzir o cenho. “Estou fazendo uns cálculos. Preciso de uma semana”, decretou.
Sete dias depois, Zeraldo bateu à porta de Darcy. Encontrou-o soterrado em papeis, quarenta lápis caídos no chão, manuseando duas calculadoras eletrônicas com as baterias descarregadas. “Seu livro é xenófobo e elitista. Fere os princípios da igualdade”, foi logo dizendo.
Era tudo o que Zeraldo não queria ouvir. “Explique, explique”, implorou ao amigo.
– A maior palavra tem 19 letras; a menor, apenas uma.
– Nunca tinha pensado nisso.
– Sabe quantas vezes aparece a letra “a”?
– Não sei.
– E o “y”?
– Menos ainda.
– A letra “a”, rica e poderosa, 147.701 vezes; o “y”, relegado à insignificância, 525. Só porque é imigrante.
Execrado, desde então, como sendo um homem de direita, Zeraldo Cifu suicidou-se um dia antes de alguém descobrir um fato que o reabilitaria, talvez, para sempre: seu nome tem apenas um “a”. Nenhuma letra nele se repete. A igualdade absoluta. Do mesmo jeito que em Darcy Zumbi.

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