terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

TEIMOSO OU NESCAU?

Gustavo Maia Gomes
Recife, 23-1-2019
Foi o segundo automóvel que tive, comprado de Ivan, com meu salário de repórter do Jornal do Commercio e a ajuda de nosso pai, Mauro. Em 1970. Um Renault Gordini tipo popular, aquele do qual a fábrica havia tirado tantas peças que o carro restante só andava de teimoso. Ganhou esta alcunha, claro. Teimoso.
O modelo não-popular também tinha um apelido: Nescau. – Por que Nescau? – Porque, assim como aquele chocolate em pó, desmanchava sem bater. Fora isso, era um carro bom, com melhor desempenho que o rival Fusca e mais gostoso de dirigir. Tenho saudades do meu.
Tenho e não tenho. Arrumei um companheiro de viagem, Benjamin, filho de Severino da Vara, e levei o carro para São Paulo. Na estrada, ele deu problema, mas, como estávamos perto de uma cidade – Estância, Sergipe –, o incômodo logo foi resolvido. – Quando viajei? – Em 1971, julho; ou 1972, janeiro. Tinha de ser em mês de férias, pois eu ainda era estudante de mestrado na USP, nesse tempo.
Em São Paulo, aí sim, o fantasma do desmancha sem bater mostrou que existia, mesmo. Em julho de 1972, recém-casado, eu ganhava uma micharia como professor em tempo parcial na USP e na Universidade de Campinas. Ter um carro se tornara muito importante. Sem ele, dificilmente eu poderia atender os compromissos assumidos. Foi quando vivi um prolongado pesadelo, pois o Teimoso ou Nescau queria gastar nas oficinas mais do que eu ganhava nas salas de aula.
Conto dois episódios desse tempo.
O primeiro ocorreu em São Paulo. Estou dirigindo em rua movimentada quando o carro (pela centésima vez) para de funcionar. Dou um jeito de estacioná-lo precariamente, alguém me informa sobre a oficina mais próxima, eu tomo um táxi e chego lá.
O dono me atende com atenção, eu explico o que aconteceu, ele diz que é bronca pequena, pega sua caixa de ferramentas e, de súbito, faz-me a pergunta: – Qual é o carro? – Gordini. – O quê? Não vou de jeito nenhum. Eu o conserto, uma hora depois, ele quebra de novo. Você vai virar meu inimigo –. Tive que procurar outra oficina.
Segundo episódio: pelas razões já expostas, eu precisava ir de São Paulo a Campinas duas vezes por semana. Era mais cômodo viajar de carro, até porque, na volta, tinha o hábito de almoçar num posto-de-gasolina-etc-e-tal que existia entre as duas cidades. Só que, sendo usado intensamente, o Gordini começou a dar ainda mais problemas, irritando-me no limite do suportável.
Pois eis que, num desses retornos para casa, o carro passou a funcionar mal. Com muito jeito, consegui chegar ao posto-restaurante. Estacionei o Gordini. Tomei um chopp e duas batidas de limão. Comi a feijoada. Peguei um ônibus que me levaria a São Paulo, deixando o problema para trás. Dez anos depois, ele ainda estava lá -- teimoso, sim; Nescau, não era --, todo enferrujado e coberto de poeira. Foi a última vez que o vi.

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