quinta-feira, 26 de outubro de 2017

ZÉ MARROM TIROU A ROUPA



Tenho acompanhado de longe a controvérsia sobre essas exposições de arte. (Sim, inclusive aquela com um homem nu tocado por crianças.) Soube das reações inflamadas contra elas – assim como das ainda mais inflamadas reações contra as reações. Se não estou enganado, o banco que patrocinava a primeira das duas mostras decidiu suspendê-la, certamente, temeroso de perder clientes. Parece-me que a segunda também foi prematuramente encerrada.
Alguns dos meus amigos e amigas entraram no debate, a maioria, defendendo as exposições. Outras pessoas postaram pinturas clássicas com nus femininos frontais. Masculinos, também. Portanto (penso ter sido este o raciocínio), as exposições objeto da controvérsia tratavam, sim, de arte. Fechá-las seria ato de obscurantismo, uma manifestação de censura incompatível com a democracia ocidental, universal e brasileira.
Sem ninguém me haver pedido, dou minha opinião sobre a temática geral. Esclareço que não me refiro às duas exposições específicas, pois não as conheci, nem mesmo em descrições detalhadas. Falo em tese.
“É arte?”
O fato de um quadro (ou “instalação”?) conter a representação do nu não o desclassifica como obra de arte. Mas, tampouco, o promove a tanto. Quem frequenta sanitários públicos já viu desenhadas ali uma enorme quantidade de bundas, pênis, vaginas e peitos. O conjunto dessa obra pictórica (ou seria mictórica?) merece uma tese em sociologia, mas poucos de nós estaríamos dispostos a colocá-lo no teto da Capela Sistina, em substituição aos afrescos de Michelangelo.
Isso, quanto ao nudismo, em si. E quanto ao “choque”, moral ou cultural, por assim dizer? Ao longo da História, correntes artísticas que, depois, foram consideradas valiosas, abriram seu caminho até o reconhecimento desafiando as crenças e costumes preestabelecidos. A primeira exposição de pintores impressionistas, em 1874, foi muito mal recebida pela crítica e o público. As reações iniciais (de outros artistas, pois Picasso esperou anos para exibir sua obra) à Les Demoiselles D’Avignon, principal tela cubista, foram de choque e horror.
Os exemplos poderiam ser multiplicados. Mas, de novo, o impressionismo e o cubismo vieram a ser, mais tarde, reconhecidos como expressões artísticas importantes, não pelo espanto que causaram e, sim, pela qualidade intrínseca de suas obras.
Exemplifico. Alguém já ouviu falar em Zé Marrom? Não? Nem eu. Pois, vou contar a história dele, assim mesmo. Era um comerciante muito rico que resolveu ser pintor. Produziu duzentos quadros horrorosos. Ninguém os comprou. Jamais um crítico se referiu a eles. Como tinha muito dinheiro, Marrom alugou o mais importante museu do país, na maior cidade do continente, pagou anúncios de jornal e expôs seus quadros à visitação pública, sem cobrar entradas. A exposição foi um fracasso e o assunto morreu ali. Tanto que você nunca tinha ouvido falar no pintor.

Desconfio que Zé Marrom pode ser o homem nu com os argumentos expostos ao manuseio público num evento de arte em São Paulo. De novo, todo mundo achou aquilo uma m. O cara devia voltar a vender secos e molhados.

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