quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

CARTA DE VINHOS


Gustavo Maia Gomes

Querido Tempranillo

Ao seu lado, suportei calor e frio, péssimas companhias, gente lhe levando para as bebedeiras. Com o coração partido, tantas vezes, ouvi mulheres sussurrando, após lhe tocar com os lábios: “tão encorpado!”, “essas frutas vermelhas!”, “ah, o retrogosto!”

E eu, Tempra? E eu? Esquecida na adega. Se o garçon me pegava, era só para me tirar da frente e chegar ao Cabernet Sauvignon. (Pretensioso, mas vai sair de moda. Juro.) Ou aos Rosés. (Quem disse que Rosé é vinho?) Ou ao Merlot, aquele chato metido a besta.

Na manhã seguinte, você voltava, vestindo garrafa nova. Com o corpo quente. Eu dizia, baixinho, em minha tola esperança: “ele vai me aquecer”. Que nada. Nem uma palavra, um gesto de carinho. Seu interesse único era se refrescar para a próxima farra.

Ah, Tempra! Como eu queria ter sentido seu tanino, seu frutado, seus toques de carvalho. Nunca os tive em mim. Tudo o que você tão alegremente oferecia às mulheres, a mim, negava.

Não aguento mais, meu amor. É o fim. Vou virar vinagre.

Da sua, sempre,

Carmenere

(Publicado no Facebook, 31/8/2019)

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