quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

CRÔNICA DE ANHUMAS


Gustavo Maia Gomes

Pensei: há 25 anos não durmo naquela casa. Seria bom repetir a experiência, antes de terminar meu novo livro, que tem Anhumas no título. Pois consegui. As Izabel Maia Gomes, mãe e filha, deram a Lourdes e a mim dois dias a serem lembrados.

Ficamos agradecidos e reflexivos. Em 1952, Carlos Galhardo gravou a valsa “Bodas de Prata”. Começava assim: “Beijando teus lindos cabelos / Que a neve do tempo marcou / Eu tenho nos olhos molhados / A imagem que nada mudou”.

Não sou piegas, não beijei cabelos que a brisa de Anhumas marcou, nem tive os olhos molhados, exceto ao tomar banho na velha casa. (“Isso não vale”, diria o cantor.) Mas há verdade na imagem-desejo de que nada mudou.

Exagero, claro. Muita coisa não é como foi. A matriarca Helena Bahia não mora mais ali. Desapareceram as doces laranjas de que meu pai tanto falava. (Em compensação, bananas-compridas abundam.) Já ninguém chega à fazenda desembarcando pela estação do trem em União.

Mesmo assim, num sentido importante, nada mudou. É a casa. É a permanência de uma casa robusta, imponente, linda, que está ali, fundamentalmente inalterada, há 130 anos. Na posse dos Maia Gomes -- a começar por Benon, marido de Helena --, desde 1933. Um século, quase.

Atuais proprietários, os Padilha Maia Gomes cogitam abrir o lugar para turistas. Acho ótimo. Atrações históricas não faltam. Em adição a elas, conviria arranjar almas penadas e uma mula sem cabeça para a casa do antigo engenho. Perna Cabeluda e Papa Figo, igualmente, ajudariam. Turismo sem aparições sobrenaturais muita gente promove. Já com o aperitivo de uma assombração ocasional, ave Maria!

Não estaríamos sozinhos. Os escoceses cultuam o monstro do lago Ness (conseguiram até uma fotografia dele); não faltam fantasmas em castelos ingleses; o ET de Varginha ainda tem serventia. Imaginem quando o mundo soubesse que da antiga senzala de Anhumas emanam gemidos noturnos.

Como o espírito de Zumbi habita as redondezas, ele também poderia colaborar com essa iniciativa de desenvolvimento local sustentável, integrado, orgânico, sistêmico, inclusivo e não-homofóbico (vejam como estou atualizado) do turismo em Alagoas. Posso antecipar a maravilha de ver multidões disputando uma vaga para conhecer Anhumas.

É só uma sugestão. Não quero interferir. Antes que seja tarde, volto ao tema incontroverso. A música. “Estavas vestida de noiva / Sorrindo e querendo chorar / Feliz, assim, olhando para mim / Que nunca deixei de te amar”.

Mas, esperem! Refiz as contas: não se passaram só 25 anos entre lá atrás e esses dois dias na fazenda Anhumas. Foram 35! Fui ver no Google: “Bodas de Coral”.

E aí, Galhardo, vai outra valsa?

(Publicado no Facebook, 13/9/2019)

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