quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

JOÃO NÃO ERA JORGE


Gustavo Maia Gomes

Além de poeta com fama nacional, Jorge de Lima (1893-1953) era um clínico conceituado em Maceió. Quando, em União (hoje, União dos Palmares), Basiliano Sarmento (1846-1931), o homem mais rico de Alagoas, estava prestes a morrer, mandou chamá-lo.

Para seu auxiliar, Jorge convidou o médico João Florêncio Filho, o único que residia na cidade. Basiliano morreu em três dias. Pouco depois, o assistente apresentou uma fatura de cinquenta contos de reis. Assustado, o curador do espólio recusou-se a pagá-la.

Cinquenta contos era uma pequena fortuna. Equivaleria, hoje, a uns 500 mil reais. Frustrado no seu intento de enriquecer instantaneamente, João Florêncio requereu, então, o arbitramento de seus honorários e, tendo os peritos avaliado os serviços nos mesmos cinquenta contos, ele voltou a cobrar aquele valor.

Seguiu-se uma batalha judicial entre, de um lado, o curador do espólio e a fazenda estadual (Basiliano não tinha herdeiros conhecidos; num primeiro momento, seus bens foram recolhidos pelo Estado) e, de outro, o médico reclamante.

No final desse primeiro ato, o juiz mandou o espólio pagar oito contos de reis a João Florêncio. Cerca de R$ 80 mil, na moeda de hoje. Mas, o médico não aceitaria tão pouco. Apelou para o Tribunal Superior de Alagoas.

Ao fazê-lo, julgou ter na manga uma carta decisiva: os honorários pagos a Jorge de Lima. Cem contos! Isso, contudo, não sensibilizou os juízes: “Se houve razões de direito para justificar tão elevada soma — disseram eles —, essas razões não ocorreram em relação ao requerente”.

No final, decidiu o Tribunal Superior que o espólio de Basiliano Sarmento pagasse a João Florêncio Filho três contos e quatrocentos mil reis. Trinta e quatro mil reais de hoje, na avaliação mais otimista. O homem ficou arrasado, mas teve de se conformar.

Quem mandou João Florêncio Filho não se chamar Jorge Matheus de Lima?

REFERÊNCIA: “Justiça Estadual. Tribunal Superior de Alagoas. Apelação Cível (União). Primeiro Acórdão, 12/8/1932”. Jornal do Commercio (RJ), 17/6/1933. FOTO: O casarão onde viveu e morreu o argentário Basiliano Olíbio de Mendonça Sarmento. Dele só existe, hoje, o portão ao lado. Foto colhida na internet, sem indicação de autor.

(Publicado no Facebook, 19/11/2019)

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