quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

O MITO DA VIOLÊNCIA CRESCENTE


Gustavo Maia Gomes

Deixem-me esclarecer, de saída, que falarei sobre um tema (crimes violentos), um tempo (1850-1984) e um lugar (Pernambuco) baseado no que pude observar usando uma lente específica: a frequência relativa (ao número total de páginas) com que quatro palavras – crime, roubo, assassinato e assalto – apareceram no Diario de Pernambuco nesses 130 anos.

O instrumento é impreciso, reconheço, mas não há nenhum outro (de meu conhecimento) capaz de nos dar uma ideia aproximada do que aconteceu com a incidência de agressões a indivíduos em Pernambuco, em todo o período histórico que vai de meados do século XIX até os anos 1980.

Parece razoável supor que, quanto mais crimes, roubos, assassinatos e assaltos acontecessem, mais notícias a respeito seriam publicadas. A vantagem de medir isso no Diario de Pernambuco é que ele circula há 194 anos, com pouquíssimas interrupções, e sempre foi um dos principais órgãos de imprensa do Estado.

Violência crescente foi o que esperei ver. O que, de fato, encontrei está nos quatro gráficos anexos: com exceção dos assaltos, que crescem tendencialmente (muito) até 1940-49, e decrescem em seguida, de modo que, de ponta a ponta, a série é apenas levemente crescente, com exceção dos assaltos, repito, todos os indicadores apontam para baixo.

Há nuances: “Crime” e “Assassinato” crescem de 1850-59 a 1900-09, passando a cair com a virada do século. “Roubo” descreve um “U”, no mesmo intervalo, mas se torna francamente declinante após 1900-09. Fato é que, tirando os assaltos, os demais indicadores de violência contra pessoas em Pernambuco caíram sensivelmente, de 1900-09 a 1980-84.

Esse resultado me surpreendeu. Eu já havia escrito, em “Uma Noite em Anhumas” (ainda não terminado) que a urbanização desenfreada do século XX, em Pernambuco e Alagoas, teria sido, provavelmente, acompanhada de um aumento da violência. Tive de rever meus preconceitos.

Eis a minha convicção atual: a velha sociedade canavieiro-açucareira do século XIX era muito mais violenta do que havíamos imaginado. Nem mesmo a rigidez dos controles morais e religiosos foi suficiente para evitar que crimes, em geral, roubos e assassinatos, em particular, fossem cometidos em larga escala.

Paradoxalmente, tudo isso melhorou desde 1900, com a urbanização e o crescimento explosivo do Recife. Não era apenas eu que cultivava a pressuposição da violência crescente. (Lembrem-se de que minha análise só vai até 1984). Ficamos sabendo agora esse é mais um mito.

(Publicado no Facebook, 7/11/2019)

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