quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

UM SOCIÓLOGO NA SERRA


Gustavo Maia Gomes

De hoje em diante, quando alguém me tachar de conservador, racista, homofóbico ou outra dessas coisas terríveis, vou lhe responder na bucha:

– Mas, eu visitei o Memorial Zumbi e você, não.

Fui, vi e voltei. Iniciativa bonita e louvável, o parque nos faz refletir sobre a história. Nesse espírito, imaginei a seguinte cena. Domingos Jorge Velho reuniu seu exército próximo à Serra da Barriga. (É onde fica o Memorial.) Nas incursões preliminares, vários habitantes de Palmares já haviam sido mortos. Há a iminência de um ataque devastador.

Eis que, ninguém sabe de onde, aparece mais um escravo fugido. Ele é diferente dos outros, pois se formou em Sociologia. Está ali, participando de um momento terrível, mas sem esquecer os conhecimentos adquiridos na Sorbonne.

Zumbi se dirige aos seus comandados, num tom de grande emoção:

– Nós negros jamais nos renderemos!

Há muitas manifestações de apoio. O sociólogo, porém, discorda:

– Não somos negros, somos afrodescendentes.

Os homens se espantam: o que é aquilo? Uma palavra mágica capaz de salvar o quilombo? A senha para o contra-ataque? A certeza de que, inexistindo negros e brancos, não poderia haver guerra entre eles, de modo que Domingos Jorge Velho devia ser apenas um bandeirante aposentado querendo fazer amigos?

A ilusão se acaba quando Zumbi reage à provocação:

– A gente aqui f... e esse cara vem com frescura.

(Publicado no Facebook, 16/9/2019)

Nenhum comentário:

Postar um comentário