quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

SENHORES DO AÇÚCAR


Gustavo Maia Gomes

A gradativa perda de importância social, econômica e política dos senhores de engenho e a correspondente ascensão dos usineiros (acontecida entre os últimos anos 1800 e a década de 1940, aproximadamente) pode ser vislumbrada por meio do indicador que criei para o livro “Uma Noite em Anhumas”.

Ele mede a frequência relativa com que uma determinada palavra aparece nas edições do “Diario de Pernambuco”. Esse jornal reúne duas características interessantes para o historiador: existe de forma praticamente ininterrupta há 194 anos e sempre foi um órgão importante da imprensa recifense.

Os dois gráficos mostram as frequências relativas das palavras “Senhor de Engenho” e “Usineiro”. A primeira apareceu 692 vezes nos anos 1850-59, o que gerou índice igual a 6,0. (Explicações na nota da figura.) Nas décadas seguintes, porém, esse valor caiu drasticamente para 0,1, em 1910-19. Até 1980-89, ele ficou próximo de zero.

A primeira aparição de “Usineiro” ocorreu em 1904. A partir daí, sua frequência relativa aumentou até atingir o máximo de 0,7, em 1930-39. O contraste entre as variações dos indicadores de “Senhor de Engenho”, cadente, e “Usineiro”, em ascensão, reflete o que acontecia no mundo real, onde as usinas paulatinamente substituíam os engenhos.

Enquanto os senhores de engenho, no auge da popularidade, alcançaram o grau 6; os usineiros, na sua melhor década, não chegaram a 1. Pior: a partir de 1930-39, as referências aos usineiros caíram para valores próximos às relativas aos senhores de engenho, uma classe já então extinta há meio século.

De qualquer modo, mesmo sem terem sido seus donos jamais muito populares, as usinas, como os engenhos, moldaram a sociedade à sua volta. Construíram um mundo que diferia do anterior, entre outros aspectos, (i) na forma de produzir o açúcar – grandes unidades industriais desbancando as pequenas; (ii) no emprego de trabalhadores assalariados, em substituição aos escravos; (iii) na utilização preferencial do trem como meio de transporte da cana e do açúcar, substituindo as barcaças e os burros.

Além disso, (iii) na esfera política, com os governos estadual e federal, ao cabo de muita luta, sobrepujando o poder antes exercido, sem contestação, nas próprias fazendas e respectivos municípios, pelos donos de terras; (iv) nas relações interpessoais, com a aniquilação da solidariedade dos compadrios entre proprietários de terras e engenhos e seus trabalhadores e famílias; (v) no âmbito cultural – códigos de conduta, crenças religiosas, preferências artísticas e literárias – que perde sua característica monotônica e se diversifica consideravelmente.

Tudo isso está no “Diario de Pernambuco” e, também, nos meus dois livros que tratam do assunto: “O Trem para Branquinha” (2018) e “Uma Noite em Anhumas” (publicação prevista para 2020).

(Publicado no Facebook, 10/10/2019)

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