quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

O PENEDO, SIM; PENEDO, NÃO


Gustavo Maia Gomes

Os pernambucanos são ciosos de que sua capital não é Recife, mas “o” Recife. (Gilberto Freyre sempre nos lembrava disso.) Sem frescura: as cidades cujos nomes remetem a acidentes geográficos carregam o artigo definido. Ou deveriam. Ninguém vai “a” Rio de Janeiro, “a” Bahia sem crase, “a” Morro de São Paulo.

Penedo quer dizer pedra grande, rocha, rochedo, rocheira, penhasco. No passado, constato isso em jornais do século XIX, a bela, antiga e hoje bem preservada cidade alagoana situada às margens do baixo Rio São Francisco era referida como “o” Penedo. Atualmente, pouca gente o faz. Parece que a decadência relativa do lugar, ocorrida, sobretudo, na primeira metade do século XX tirou o ânimo dos penedenses em brigar por esses detalhes linguísticos.

Estivemos lá, Lourdes Barbosa e eu. No meu caso, possivelmente, pela décima vez. E devo dizer, com alegria: nunca o Penedo me pareceu tão formoso, limpo, com os prédios todos restaurados. Espetacular. Foi trabalho recente: as placas alusivas às obras incluem os nomes de Michel Temer, presidente, e Renan Filho, governador. Não gosto muito nem de um, nem do outro, mas ambos merecem a gratidão dos que amam refazer os caminhos dos antepassados e contemplar a arquitetura de épocas pretéritas.

Pois, o Penedo é uma relíquia comparável às cidades históricas de Minas Gerais, com o bônus de estar plantada ao lado do Rio da Integração Nacional. Sem nunca ter sido tão rica, pois não tinha ouro, viveu seu esplendor no século XIX. Recebia navios a vapor vindos do e indo para o Sul e Sudeste; produzia no entorno muito algodão, açúcar, leite, couros e carne; editava seus próprios jornais; tinha indústrias de óleo e de tecidos; um comércio pujante. Depois, entrou em decadência, por razões várias.

A pá de cal foi lançada em 1970 com o desvio da rodovia BR-101, que antes cruzava o São Francisco entre o Penedo e Neópolis (SE) e passou a fazê-lo (pela ponte, não por balsa) de Porto Real de Colégio (AL) a Propriá (SE). Mas, como costuma acontecer, o declínio relativo trouxe também consequências positivas. Cito duas: a não-aniquilação do patrimônio histórico e arquitetônico, pois ninguém se interessou em derrubar os prédios antigos do Penedo para construir mondrongos, e a “exportação” para o Recife de duas preciosas amigas de Lourdes e minhas: Andrea Oliveira e Amelinha Peixoto.

Viajando de carro de Aracaju a Penedo (atravessar o rio na balsa pode ser incômodo, mas carrega junto uma poesia insuperável) ficamos satisfeitos em observar o renascimento econômico da região. Em Neópolis, ainda funciona (modernizada, suponho) a fábrica de tecidos dos Peixoto e Gonçalves e se produz muita fruta com irrigação; nas proximidades do Penedo, vimos movimento de turistas, usinas de açúcar modernas, um incipiente distrito industrial.

Encerro fazendo inveja: dormir no icônico Hotel São Francisco não é para qualquer um.

(Publicado no Facebook, 18/9/2019)

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